Discurso do organizador no lançamento do livro "Registros Legislativos: Subsídios à História de União dos Palmares (1948-2022)"

Obs: Discurso escrito e lido por Bruno César Monteiro no lançamento do livro "Registros Legislativos: Subsídios à História de União dos Palmares (1948-2022)" ocorrido no dia 08 de outubro de 2022. 

Boa noite!

Meus familiares, amigos, palmarinos, visitantes e todos aqueles que me honram com a presença nesta noite.

Hoje é um daqueles dias que ficarão para sempre registrados na minha memória.

Há pouco mais de três anos quando estava sentado em um daqueles bancos no térreo deste prédio, não tinha como imaginar que naquela conversa que teria com meu amigo Allan Belarmino seria apresentado ao material que substancialmente deu origem a este livro.

Escrever um livro… quem diria.

Quando criança me surpreendia com a capacidade das pessoas em ler algo tão extenso.

Tinha cerca de oito anos quando fui presenteado com um livro, um material de cerca de 80 páginas com histórias bíblicas. Achei enorme. Tracei um plano de leitura para alguns dias, afinal, se fosse capaz de ler cerca de quatro páginas por dia, depois de um tempo chegaria ao fim e acreditava que era algo relevante a ser feito.

Não me recordo do sentimento que tive quando encerrei aquele livro, mas lembro que registrei o nome do livro em uma folha de caderno para que no futuro pudesse saber quantos livros tinha lido e o nome deles. Não sabia ali que registrar coisas de forma sistemática tomaria um bom tempo da minha vida. Um tempo talvez maior ou equivalente ao que passaria lendo.

Uma noite, ainda criança, fui apresentado a história do Quilombo dos Palmares no prédio onde por anos funcionou a Secretaria Municipal de Educação, estava com a minha mãe e provavelmente para que me distraísse me deram um livreto com a história ilustrada de Zumbi e da Serra da Barriga.

Naquele dia recordo ter passado a noite imaginando como teria sido a luta, uma luta que na inocência de uma criança tinha apenas a violência dos desenhos infantilizados daquelas páginas.

Uma história que aconteceu aqui, local onde hoje o que era mata atlântica passou a ser ruas onde encontramos nossos semelhantes, pessoas que embora distantes se tornam próximas apenas por ocuparem este espaço do mundo. Foi neste pedaço de chão que meus ascendentes chegaram vindo de Bezerros, em Pernambuco, e resolveram fazer sua morada no longínquo ano de 1949.

A vida passou, cresci, encontrei amigos, pessoas que embarcaram comigo em indagações não comuns para jovens de tão pouca idade. Embora cercado de pessoas extraordinárias algo sempre me colocou mais próximo dos livros, passava semanas e até meses sem encontrar com amigos, para alguns parecia que estava em um casulo, mas era apenas o comportamento de alguém que também tinha nos gibis e mangás japoneses amigos inseparáveis.

Quando o meu irmão Wagner teve que mudar de cidade para seguir sua vida em busca de conhecimento, apenas quando retornava aos finais de semana para casa era possível as conversas sobre jogos e filmes. Provavelmente por perceber a solidão, passou a trazer livros para compensar o vazio, a temática essencialmente de fantasia e ficção científica me reaproximou da leitura não ilustrada, desta vez para nunca mais me afastar.

Este irmão expandiu a família e um dia ao conversar com a minha cunhada Tainá, sobre os prédios antigos que não existiam mais e as histórias de União dos Palmares apenas repassadas nas conversas de calçada, me foi dito que deveria ler um livro que por alguma razão me identificaria com ele.

Cem Anos de Solidão” de Gabriel Garcia Márquez.

O livro conta a história de um lugar chamado Macondo e da família Buendia, as gerações que por ali passam e constroem uma civilização fantástica.

De início achei estranho, por que me identificaria com aquela história? Naquele tempo a minha solidão autoimposta já tinha sido deixada para trás.

Ao iniciar a leitura confesso que após as primeiras páginas o deixei de lado, porém, um tempo depois, assim como fiz na infância decidi que iria ler até o fim, como faço com todo livro que me proponho a ler. Tracei um plano de leitura para alguns dias. Mal sabia que o plano seria deixado de lado, afinal, em determinado momento fui incapaz de parar de ler, embora os olhos cansados não contribuíssem com o desejo de leitor voraz em seguir para a página seguinte.

Ao ler a última página prometi para mim e as paredes daquele quarto que tantas vezes foi a companhia na solidão, que um dia escreveria um livro sobre União dos Palmares. Não sabia quando, mas faria.

Um tempo depois daquela tarde de conversas e questionamentos aqui na Prefeitura, onde fui apresentado a um armário com inúmeros livros com transcrição manual da legislação municipal tive a surpresa de chegar em casa após um dia de trabalho e encontrar no meu quarto dezessete livros-ata encaminhados para que desse uma olhada.

Ao iniciar a análise sabia que ali estavam os meus peixes de ouro.

Em “Cem Anos de Solidão” o Coronel Aureliano Buendia passava os dias dentro do quarto, após, descobre-se que ele fazia peixinhos de ouro e quando pronto os vendia por uma moeda de ouro que era utilizada para fazer outro peixe de ouro.

Ainda naquele dia, mesmo sofrendo com as páginas empoeiradas, a minha curiosidade me fez olhar página por página. Já na madrugada deitei na cama pensando o que poderia fazer com todas aquelas informações que supriam minha curiosidade de tantos anos, curiosidade que podia ser de muitos. Em alguns dias dei início a digitação de forma a organizar todo o material para consulta futura, afinal, era com certeza um conteúdo extenso para se somar a tudo aquilo que guardava sobre União dos Palmares.

Desde a infância tinha a mania de guardar o que encontro sobre a cidade, são fotografias, notícias de jornal… Sabia que aquele material era algo que apenas teria contato naquela oportunidade e devia, de alguma maneira, guardar o máximo de informação possível.

A alergia, a falta de espaço e o desejo em devolver o material para o seu devido lugar, os arquivos públicos, me fez posteriormente fotografar cada página… Foram 4793 fotografias capturadas durante as festas de final do ano de 2019.

Foram dias em cima de um banco de madeira, com uma câmera fotográfica em punho. A coluna sofreu naqueles dias mas tive o auxílio do meu sobrinho Leonardo e durante horas de quem sempre esteve comigo e me tirou da solidão, a minha companheira, meu amor, a minha Nathalie.

Iniciou o ano, quem podia imaginar que 2020 seria o que foi, um ano onde a solidão foi a companhia de muitas pessoas. Em casa passei a registrar de forma mais organizada o conteúdo daquelas leis, dei início a divulgação em um perfil no Instagram, afinal, acho que o passado deve ser exposto como forma de compreensão do presente e planejamento do futuro.

Descobri outras fontes de pesquisa para sanar lacunas, o perfil me apresentou pessoas que hoje tenho a alegria de considerar amigos, foi um deles que me disse que aquele trabalho deveria ser transformado em um livro de pesquisa.

Foi do amigo Julio Caio Vasconcelos que partiu a ideia de transformar o ementário em construção em um livro. Pesquisador de Viçosa, município com origem documental no decreto que também criou Imperatriz, um historiador sempre disposto a sanar minhas dúvidas sobre a legislação estadual do final do século XIX e início do século XX.

Em 1831 foi publicado o Decreto que emancipou Imperatriz de Atalaia, desde então, é possível buscar documentos de forma individualizada da história deste pedaço de terra que se tornou “União” e depois “União dos Palmares”. Já são quase duzentos anos, mas conhecemos tão pouco… São raros os livros sobre fatos, pessoas e famílias locais.

Com essa compilação de dados pretendo trazer a público informações que podem parecer sem propósito mas que são capazes de contribuir com a produção de inúmeras obras, com a busca e reconhecimento de direitos individuais e coletivos.

O resgate do nome de pessoas que ocuparam cargos públicos, a produção legislativa de um determinado período, a evolução da área urbana local, os homenageados com nomes de ruas e tantas outras informações estão aí, nessas páginas que hoje posso oferecer a todos os palmarinos.

Naqueles dias em que frequentava postos de saúde e lia placas de inauguração, sempre pensei quem seriam aquelas pessoas, ao saber quem eram, quem tinha sido o governante antes, ainda antes daquele e sucessivamente.

O livro não é individualmente meu, é de muitos que aqui estão, é do amigo Carlyson que me presenteou com a capa e que também relembrava os jingles políticos nas madrugadas de futebol no videogame. É dos amigos Wenndell, Ardilles e Marco, entre outros, que debatiam política comigo aos 12 anos de idade e contribuíram para uma formação crítica sobre a política local. É de quem sempre esteve disposto a buscar uma informação e indicar um caminho. É do amigo para todas as horas, Allan Belarmino, sempre disposto a ir comigo ou falar com alguém para encontrar mais um livro de leis ou documento que eu dizia ser importante para a pesquisa. É da minha esposa Nathalie, privada da minha companhia nos finais de semana, noites e feriados em que sumia em frente ao computador escrevendo mais uma página, finalizando a análise de mais um arquivo. É da minha mãe Maria das Graças que gastava quase a totalidade do seu salário para custear despesas e prestações de livros acadêmicos para o filho que contra o sonho dela, de vê-lo em um jaleco branco, disse que queria ser advogado para poder compreender um pouco de como funcionava o mundo. Também é da minha avó Lourinete com quem cheguei a ir em alguns comícios na campanha eleitoral de 1996. É do meu tio Cícero que com serigrafia pintava bandeiras, camisas, adesivos e santinhos de candidatos, me fazendo assim, decorar nomes dos candidatos e o ano em que participaram do pleito.

Por fim, com a licença de todas as pessoas que mencionei e tantas outras que estão devidamente lembradas nos agradecimentos do livro, este não existiria se não fosse pelo meu avô Lindolfo e meu tio Edward Ferreira, o tio Diu.

Foi na infância que a paixão pela história desta cidade nasceu, a noite ia com o meu avô para um pequeno cômodo ao lado do SAAE onde ele guardava canos, torneiras e inúmeros equipamentos, ali ele ligava o rádio e escutava “A Voz do Brasil” enquanto arrumava algum material que usaria no outro dia de trabalho. Escutava no rádio falar sobre o Presidente e aprendi que o semelhante no município era o Prefeito. Durante anos meu avô recitava de forma ordenada o nome dos prefeitos com quem trabalhou nos tempos de encanador da Prefeitura, sem perceber guardei cada informação. A sequência antes elucidativa foi com o tempo questionada por mim, com os antigos documentos da vida funcional dele guardados pude iniciar a montagem do quebra-cabeça dos períodos e prefeitos palmarinos.

Meu avô tinha um adversário a altura na disputa sobre quem conhecia mais a história palmarina. Sentados na calçada conversando sobre o passado e política, Tio Diu sempre argumentava e apresentava datas e fatos que ilustravam o debate de informações. Durante anos assisti e ainda tenho o prazer de presenciar esses momentos.

Foi com Tio Diu o primeiro contato com uma campanha eleitoral. Junto do meu primo Tassio participamos na mala de uma Belina de uma carreata em uma campanha eleitoral municipal no ano de 1996. Naquele dia entendi como aquilo era importante para as pessoas e registrar aqueles momentos passou a ser feito de forma inconsciente.

Se algo me fez seguir adiante neste projeto foi poder dizer aos dois que finalmente resolvi a sequência dos Prefeitos mesmo que por certo espaço do tempo.

Raul, Benedito, Antonio, Luiz, Antenor, Miguel, Antenor, Esíquio, Afrânio, Mano, Biu, Rosiber, Iran, Praxedes, Afrânio, Pedrosa, Kil, Beto e Kil.

Aos dois especialmente ofereço este livro, a materialização das conversas e do silêncio que moldaram minha personalidade, que criaram o pesquisador, que fizeram nascer a obsessão por organização de informações, este livro é a nossa contribuição, os nossos registros, aqueles gravados na alma e no coração, que estarão eternamente vivos nessas 494 páginas.

Afinal, aqui não é Macondo, aqui é União dos Palmares e não há vento que apague a nossa história.

Muito obrigado!


Bruno César Monteiro

União dos Palmares, 08 de outubro de 2022.


Exemplares do livro disponíveis no lançamento.

Prof. Edward, Bruno César Monteiro e Sr. Lindolfo Monteiro



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